sábado, 29 de setembro de 2012

III Mini Trail Terras do Grande Lago


No passado dia 23 de Setembro tive mais uma vez o grande privilégio de participar num belíssimo Trail em pleno Alentejo, mais precisamente na zona de Portel e Alqueva, organizado pela Associação O Mundo da Corrida. 
O dia acordou nublado, chuvoso e fresco, a anunciar chuva contínua até à tarde. E assim foi... Adoro correr na chuva com as temperaturas ainda altas. É mágico.

Este ano a partida deu-se num local que não conhecia - a marina da barragem de Alqueva, a escassos minutos da aldeia de Aqueva. Na verdade não tive muito tempo para admirar a zona e a nova infra estrutura, mas deu para perceber que se trata de um local bem equipado e muito agradável, especialmente para aqueles que gostam de desfrutar das actividades aquáticas. Para o ano será com certeza um local a visitar com mais tempo.

Presumi que a partida fosse no mesmo local do ano passado. Entrei em choque quando cheguei lá e vi que não estava ninguém, faltando apenas 15-20 minutos para o "tiro" de partida. Demos uma volta pela aldeia mas não parecia haver quem soubesse pormenores sobre uma corrida. Houve um senhor até que me disse que a corrida já tinha sido. Assustei-me. Sim, tinha sido na semana passada. Ah, ok... depois compreendi que falávamos de corridas diferentes. Voltámos à carga. Nem por nada deste mundo iria perder esta corrida. Começava a reza! Felizmente, já havia Bombeiros e GNR numa rotunda da aldeia e pude assim arranjar os contactos da organização que me informaram do local corrrecto. Em menos de 5 minutos chegámos.
Mais uma aprendizagem, não sabendo eu que este acontecimento seria apenas uma premonição do que estaria para vir...

Éramos um grupo de algumas dezenas de corredores, alguns em constante movimento para não arrefecerem e outros ainda abrigados da chuva miúda mas teimosa. A vista era linda, mas a antecipação da prova não me permitiu grande tranquilidade para apreciá-la com mais delonga.

Em poucos minutos, recebemos a presença de Eduardo Santos, da organização que nos informou que afinal o percurso sofreria uma alteração e que teríamos mais 3 km pela frente. À primeira, aquilo soou-me um pouco assustador, mas depois pensei cá para mim que quem faz 20, faz 22 e que possivelmente quem faz 22 também faz 25. E assim foi. Havendo pernas, haveria vontade.

Deu-se a partida.

Começámos logo a subir, com uma boa inclinação, como se estes metros iniciais fossem um cartão de visita do restante percurso. Em poucos minutos já corríamos pelas margens da barragem entre terra, lama e xisto. A chuva desafiou-nos e parecia o céu querer desabar sobre nós, lançando sobre nós alguns trovões. "Que espectáculo!" - pensava eu. Segui no primeiro grupo e senti logo ali naquelas margens a dureza do percurso para uma atleta de alcatrão.

A chuva chegou a ser torrencial. Uma maravilha. Eu ali no meio do mato, com aquele milagre da Natureza. Estonteante.

Ao fim de 3 km, mais ou menos,  notei que ia bem colocada, sendo a primeira atleta feminina. Houve mais uma subida e a seguir uma descida acentuada, onde deixei de ver o atleta de azul que seguia à frente e que me ia servindo de orientação. Desci e voltei a subir bem embalada. No topo dessa subida deparo-me com um cruzamento. Decido descer (parecia que me lembrava daquele trecho), mas continuo sem ver vivalma. Paro e grito à espera de resposta. Nada. Olho em redor e nada de pegadas, à excepção das minhas. Uai?! Decido voltar a subir até ao cruzamento e aí volto a subir à procura de pegadas. Mais uma vez nada. Estou desconfiada. Desço novamente até ao cruzamento e penso para mim que o melhor será esperar por alguns dos atletas que vinham mais atrás. Mas tanto tempo? Vinha assim tão distanciada? Decido abandonar o cruzamento e voltar a descer por onde tinha vindo inicialmente, mas vejo alguns atletas no topo da subida do outro monte. Espero vê-los em breve ali. Nada. Decido finalmente ir ao seu encontro, o que seria difícil... Só no final dessa descida é que me apercebo de que afinal me tinha enganado no caminho. Ali estava a fitinha e os atletas a seguirem todos por outro caminho mais estreito.

Pode parecer que o percurso até estaria mal sinalizado, mas não, até pelo contrário. Depois deste incidente, deste lapso da minha parte que me custou cerca de 5 minutos, reparei melhor nas fitas e vi que não havia que enganar. A equipa de sinalização da organização fez um trabalho exemplar.

O erro foi todo meu. Foquei-me no atleta da frente que até tinha uma camisola bem colorida e nunca pensei nas fitas de sinalização. Quando me surgiu uma subida acentuada em que abrandei, o atleta da frente ganhou distância e quando atingi o cume, já ele tinha desaparecido depois da descida para o interior do mato. O problema foi que no final dessa descida, era necessário virar à esquerda e eu segui embalada em frente, e bem embalada para subir logo a seguir.

Mais uma lição aprendida. Correr em trilhos requer muito mais do atleta do que correr no asfalto. Há que percepcionar muito bem o que nos rodeia, seja no chão, seja em nosso redor. Perder a concentração pode ser muito prejudicial em vários aspectos: podemos perder-nos, podemos cair, escorregar, tropeçar. E aqui, neste terreno, tudo isso é mais provável de acontecer, caso a mente não esteja em equilíbrio com o corpo.

E foi este o pensamento que me acompanhou durante os km seguintes, além dos de vergonha e relativa raiva por ter perdido algumas posições, por pura distracção e ignorância.

O resto do percurso foi duro, mas cheio de adrenalina, especialmente quando tinha de descer a maior velocidade com receio de torcer um pé, evitando os calhaus e irregularidade do piso, e quando tinha de saltar sobre pequenos percursos ou largas poças de água.

Uma dessas grandes poças de água enlameada enganou-me. Julgando eu que a sujidade à superfície seria chão seguro, enfiei-me eu lá dentro com um grande salto. Resultado: banho de lama. O prejuízo não foi muito grande. O corpo já estava encharcado desde o início, a chuva seguinte iria disfarçar o tom moreno que com que a lama me decorou as pernas e os sapatos, bem... esses... ficaram a pesar mais 1/2 kg cada um. Uns metros à frente, descalcei-me e tentei torcê-los. Desequilibrei-me e tentei agarrar-me a um arbusto que me espetou alguns bicos na pele (dois dias depois ainda encontrei um espetado na mão). E mesmo assim, estava extasiada com aquilo tudo. Segui em frente a chupar o dedo, mas entusiasmadíssima com toda aquela experiência.

Continuava a chover a potes.

Os abastecimentos foram mais uma vez cinco estrelas. Membros da organização ali parados sob chuva, a proteger os nossos mantimentos e a incentivar-nos. Fruta, frutos secos, marmelada, bebidas diversas. Um mimo! Parei sempre e abasteci-me o melhor que pude, pois infelizmente tinha perdido os meus géis pelo caminho. Talvez tenha desperdiçado muito tempo nos postos de abastecimento, mas isso é algo que terei de analisar melhor. Acho que ficar na conversa e ainda tirar fotografias retira alguma seriedade à parte competitiva, não?!

O sofrimento só chegou nos últimos 2-3km, curiosamente onde o percurso se tornou mais fácil. Aí senti as pernas e algumas articulações a criar alguma resistência. A minha mente estava confusa.

Pára! Não páro nada, falta tão pouco! Olha ali, lá está Portel! E o castelo? Juro que não via o castelo e que já julgava que estava noutra vila, ainda a alguns km de Portel.

Caminhei algumas vezes, mesmo em plano... No último km tive um dos homens fortes do triatlo nacional, Sérgio Santos, a passar por mim e a passar-me algumas palavras de força. Soube mais tarde que era um dos que estaria de regresso, para dobrar a distância.

E a vila ali estava, sendo os últimos 500m foram feitos ligeiramente, mas concluídos com dignidade. Cruzei a meta com sensação de dever cumprido e rodeada de gente simpática. Um agradecimento à Margarida pela sua simpatia e pelo seu acolhimento à chegada dos atletas. Somos todos recebidos individualmente, tratados pelo nome próprio. E isso faz a diferença.

Cheguei bem. As dores só apareceram minutos depois e no segundo dia nem se fala.
Hoje é sábado e devo confessar que até quinta-feira à tarde, uma simples caminhada era feita com sacrifício. Este ano as pernas e os pés ficaram muito afectados. Isto de se treinar exclusivamente no asfalto, faz destas coisas. Há músculos e articulações que praticamente não são solicitadas e a maior parte, quando é, não o é com esta intensidade. As descidas com travagens, as subidas constantes, as torções e os saltos fazem deste tipo de corrida, um desafio especial.

Terminei os 25.080m em 2h42m, com uma média de 6'29''/km.

E apesar de quase uma semana depois ainda estar com uma pequena lesão num pé, que não sei quando irá melhorar e que me deixou literalmente coxa, eu já anseio pela edição de 2013.
Esta é uma das provas mais duras do meu calendário de corridas anual, mas uma das favoritas. Pelo contacto com a Natureza, pelo percurso, pelo ambiente saudável entre as pessoas, pela dedicação e empenho da Organização, pela belíssima região.

Em 2013 lá estarei novamente.

Só espero é que chova!

Boas corridas.

Foto diploma oferecido pela organização.

No pódio ao lado da justa vencedora, Sílvia Ventura.



4 comentários:

  1. Querida Lénia, é um gosto ler o teu relato! Parabéns pela prova e pelas tuas palavras. Gostava que transcrevesses este texto para o fórum do Omundodacorrida.com ou que me desses autorização para o fazer. Acho que deveria ser lido por todos :)
    Desejo-te uma rápida recuperação.
    Beijinhos

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  2. Li teu relato e me senti como se estivesse correndo contigo e participando das mesmas aventuras. Parabéns pela corrida!! Se eu fosse você, também já estaria ansiosa para a edição de 2013. Parece ser uma prova maravilhosa!!

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  3. Valente! E um post daqueles que eu gosto, com todos os pormenores.
    Pois há duas coisas que me têm afastado de tentar uma prova de trail: primeiro, a longa distância. Até as provas mais curtas, acabam por ser longas quando comparadas com uma meia-maratona. Mas fazer 25Km é muito? Será para quem tem um joelho esquerdo que está sempre no estaleiro e que não lhe dá qualquer confiança para vencer distâncias grandes. Segundo, a questão da orientação, a possibilisdade de me perder num trilho e ter de fazer aidna mais quilómetros do que os necessários só para chegar ao fim. Repara, a prova podia estar muito bem sinalizada, mas essa zona é de árvores não muito altas e onde até devem haver vários pontos de referência. Imagino antes aquelas provas onde a vegetação é mais densa e alta, onde errar o caminho pode ser ainda mais fácil. Mas isto sou eu que devo ter uma ideia errada sobre as provas de trail. A verdade é que organizam-se muitas ao longo do ano, várias bem longas, e para ser sincero não sei se alguma vez li um relato de alguém a dizer que se tivesse perdido.
    Parabéns por mais uma conquista desportiva e votos de rápidas melhoras desse pé. E para o ano, quem sabe, talvez também eu me aventure pelo tail do grande lago. Sonhar é fácil :)

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  4. Para o ano se tudo te correr bem, espero ter a tua companhia, Luís. É de facto uma experiência a repetir. E se houvesse provas deste género mais perto, iria mais vezes. Bons treinos.

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